Já se foi o tempo de vender farinha de mandioca, cocar e arco e flecha para garantir a sobrevivência da família. Os indígenas cada vez mais diversificam a produção. E nas aldeias de Aracruz, o destaque é o mel das abelhas sem ferrão.
A Deuzilene Golçalves, de 29 anos é índia tupiniquim e tem como principal fonte de renda a criação de abelhas sem ferrão. Ela é uma das técnicas do projeto desenvolvido com as famílias indígenas da região. Ela e a mãe Deuzedir, de 57 anos são responsáveis por 45 colônias no terreno da casa onde moram na aldeia de Caieiras Velha, em Aracruz.
“Antes eu não fazia ideia da existência das abelhas sem ferrão, que são nativas da nossa região. Agora sou apaixonada por esse trabalho, que além de levar uma renda importante às famílias indígenas, ajuda no resgate cultural do nosso povo, na valorização da terra, da natureza e na diversificação de cultivo”, conta Deuzilene.
Venda pela internet
O trabalho com as abelhas sem ferrão é feito por 60 famílias de 13 aldeias indígenas de Aracruz, através da Cooperativa de Agricultores Indígenas Tupiniquim e Guarani de Aracruz, a Coopyguá.
Durante a pandemia, os índios tiveram dificuldade para escoar a produção por causa das feiras e eventos suspensos. E foi aí que veio a ideia de entrar no mundo das vendas on-line. A loja virtual da cooperativa acaba de ser lançada, é o site www.typygua.com.br
“Era a ferramenta que faltava para alcançarmos as pessoas que têm interesse em consumir nossos produtos”, comemora o diretor presidente da Copyguá, Tiago Barros dos Santos.
Os produtos que tem fabricação 100% indígena já estão à venda no site. E não é só mel simples, não. Tem quatro tipos de mel in natura (uruçu-amarela, capoeira, restinga e tabuleiro), mel maturado (capoeira), além de cera e pólen de uruçu-amarela.
Hoje, fazem parte da cooperativa as aldeias de Areal, Irajá, Caieiras Velhas, Boa Esperança, Piraqueaçu, Amarelos, Três Palmeiras, Pau-Brasil, Comboios, Córrego do Ouro, Olho d´Água e Nova Esperança. As aldeias ocupam 12 mil hectares na zona costeira de Aracruz.
Conquista inédita
As famílias indígenas estão cheias de motivos para comemorar. Além do lançamento da loja virtual, o grupo acaba de registrar uma conquista inédita.
Entre os meses de março e abril de 2021 foram colhidos 725 quilos de mel, 60 quilos de pólen e 40 quilos de cera. Essa é a melhor safra desde o início do projeto, em 2012.
Durante duas semanas uma equipe de indígenas percorreu as casas de 30 famílias e colheu os produtos de 263 colônias de abelhas. Pela primeira vez a colheita foi feita 100% pelos indígenas.
”Os resultados positivos que alcançamos a cada ano nos motivam a manter o trabalho, especialmente para apresentar produtos que refletem a nossa identidade tupiniquim e guarani. Passamos por importantes aprendizados nesse período, principalmente no que diz respeito ao escoamento da produção. O e-commerce vai ser um marco para o fortalecimento do nosso projeto”, afirma o presidente da cooperativa, Tiago Barros dos Santos.
Mel com alto valor de mercado
A criação de abelhas sem ferrão estava praticamente desaparecida no estado quando os indígenas começaram a cultivar a espécie, em 2012. O mel tem um sabor diferenciado, é menos doce e um pouco mais ácido e tem alto valor de mercado.
Chefs de cozinha renomados no Brasil utilizam o mel das abelhas sem ferrão na preparação de pratos sofisticados, desde entradas, saladas, carnes e sobremesas. E muitos deles compram os produtos fabricados pelos indígenas de Aracruz.
A chef de cozinha Bel Coelho, responsável pelo Cuia Café e Restaurante, em São Paulo, utiliza o mel das abelhas sem ferrão, produzido pelos indígenas de Aracruz.
“No Cuia, além de vendermos o Tupyguá, no nosso empório digital, servimos o mel de uruçu-amarela com o nosso waffle. Eu adoro o contraste da acidez complexa do mel com a doçura e untuosidade da massa do waffle e manteiga artesanal.”
Com a entrada do produto no e-commerce, a expectativa é de que mais pessoas do Brasil e até do mundo conheçam o mel, o pólen e a cera com a marca Tupyguá.
Sustentabilidade
Um trabalho feito com tanto cuidado, organização e técnica não surgiu de uma hora para outra. A Cooperativa de Agricultores Indígenas Tupiniquim e Guarani de Aracruz, a Copyguá, nasceu em 2018 e desde a criação teve um apoio importante, o da Suzano, maior fabricante mundial de papel de eucalipto.
A empresa tem uma das fábricas em Aracruz e incentivar a comunidade local é uma das políticas mais fortes da companhia. Esse envolvimento com projetos sociais faz parte de um dos pilares da chamada a agenda ESG (environmental, social and corporate governance- meio ambiente, social e governança), adotada pela empresa.
Atualmente a Suzano oferece capacitação, acompanhamento técnico, materiais, equipamentos e insumos necessários para o cultivo das abelhas sem ferrão. É uma forma de contribuir com a geração de renda, desenvolvimento regional e também com a manutenção da cultura e da tradição das comunidades indígenas.
“Com a utilização de métodos adequados de multiplicação, mais de 1,2 mil colônias já foram produzidas e estão sendo manejadas pelas famílias indígenas”, explica Douglas Peixoto, coordenador de Desenvolvimento Social da Suzano.
Apoio ao social fortalece empresas
A agenda ESG é um dos indicadores mais valorizados nas empresas atualmente. Os investidores já identificaram que os negócios ancorados nesse conceito de sustentabilidade tem mais solidez e resistência a crises. E o apoio ao desenvolvimento das comunidades locais na área onde a empresa está localizada é fundamental.
O doutor em Ciências Contábeis e Administração e professor da Fucape, Poliano Bastos da Cruz, explica que as empresas maiores tem uma responsabilidade adicional com a comunidade onde elas atuam porque tem maior capacidade de investimento.
“A agenda ESG mostra que há uma alternativa aos modelos que foram adotados até agora no terceiro setor. A empresa comprometida com esse conceito faz ações que permitem que a comunidade produza de forma mais sustentável, disseminando a tecnologia e mostrando que é possível produzir de uma forma mais conforme.”
Fonte: Folha Vitória